ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele
e o lance a outro; de um outro galo
que apanhe o grito de um galo antes
e o lance a outro; e de outros galos
que com muitos outros galos se cruzem
os fios de sol de seus gritos de galo,
para que a manhã, desde uma teia tênue,
se vá tecendo, entre todos os galos
E se encorpando em tela, entre todos,
se erguendo tenda, onde entrem todos,
se entretendo para todos, no toldo
(a manhã) que plana livre de armação.
A manhã, toldo de um tecido tão aéreo
que, tecido, se eleva por si: luz balão.
Saudade - Raimundo Correa
Aqui outrora retumbaram hinos;
Muito côche real nestas calçadas
E nestas praças, hoje abandonadas,
Rodou por entre os européis mais finos...
Arcos de flores, fachos purpurinos,
Trons festivais, badeiras desfraldadas,
Girândolas, clarins, atropeladas
Legiões de povo, bimbalar de sinos...
Tudo passou! Mas dessas arcarias
Negras, e desses torreões medonhos,
Alguém se assenta sobre as lájeas frias;
E, em torno os olhos úmidos, tristonhos,
Espraia e chora, como Jeremias,
Sobra a Jerusalém de tantos sonhos!...
O anel de vidro - Manuel Bandeira
- Ai de mim - era vidro e logo se quebrou...
Assim também o eterno amor que prometeste,
- Eterno! era bem pouco e cedo se acabou.
Frágil penhor que foi o amor que me tiveste,
Símbolo da afeição que o tempo aniquilou, -
Aquele pequenino anel que tu me deste,
- Ai de mim - era vidro e logo se quebrou...
Não me turbo, porém, o despeito que investe
Gritando maldições contra aquilo que amou.
De ti conservo no peito a saudade celeste...
Como também guardei o pó que me ficou
Daquele pequenino anel que tu me deste...
Saudade - Raimundo Correa
Aqui outrora retumbaram hinos;
Muito côche real nestas calçadas
E nestas praças, hoje abandonadas,
Rodou por entre os européis mais finos...
Arcos de flores, fachos purpurinos,
Trons festivais, badeiras desfraldadas,
Girândolas, clarins, atropeladas
Legiões de povo, bimbalar de sinos...
Tudo passou! Mas dessas arcarias
Negras, e desses torreões medonhos,
Alguém se assenta sobre as lájeas frias;
E, em torno os olhos úmidos, tristonhos,
Espraia e chora, como Jeremias,
Sobra a Jerusalém de tantos sonhos!...
Ternura - Vinicius de Moraes
Eu te peço perdão por te amar de repente
Seja uma velha canção nos teus ouvidos
Das horas que passei à sombra das teus gestos
Bebendo em tua boca o perfume dos sorrisos
Das noites que vivi acalentado
Pela graça indizível
dos teus passos eternamente fugindo
Trago a doçura dos que aceitam melancolicamente.
E posso te dizer que o grande afeto que te deixo
Não traz o exaspero das lágrimas nem a fascinação das promessas
Nem as misteriosas palavras dos véus da alma...
É um sossego, uma unção, um transbordamento de caricias
E só te pede que te repouses quieta, muito quieta
E deixes que as mãos cálidas da noite encontrem sem fatalidade o olhar
extático da aurora.
Duas estrofes - Augusto dos anjos
Duas estrofes - Augusto dos anjos
A queda do teu lírico arrabil
De um sentimento português ignoto
Que um dia no ano trágico de mil
E setecentos e cinquenta e cinco,
Foi abalada por um terremoto!
A água quieta do Tejo te abençoa.
Tu representas toda essa Lisboa
De glórias quase sobrenaturais,
Apenas com uma diferença triste,
Com a diferença de que Lisboa existe
E tu, amigo, não existes mais!
Canção final - Carlos Drummond de Andrade
Oh! Se te amei, e quanto!
Mas não foi tanto assim.
Até os deuses claudicam
Em nugas de aritmética.
Meço o passado com a régua
De exagerar as distâncias.
Tudo tão triste, e o mais triste
É não ter tristeza alguma.
É não venerar os códigos
De acasalar e sofrer.
É viver tempo de sobra
Sem que me sobre miragem.
Agora vou-me. Ou me vão?
Ou é vão ir ou não ir?
Oh! Se te amei, e quanto,
Quer dizer, nem tanto assim.
Soneto de contrição - Vinicius de Moraes
Eu te amo, Maria, eu te amo tanto
Que o meu peito me dói como em doença
E quanto mais me seja a dor intensa
Mais cresce na minha alma teu encanto.
Como a criança que vagueia o canto
Ante o mistério da amplidão suspensa
Meu coração é um vago de acalanto
Berçando versos de saudade imensa.
Não é maior o coração que a alma
Nem melhor a presença que a saudade
Só te amar é divino, e sentir calma...
E é uma calma tão feita de humildade
Que tão mais te soubesse pertencida
Menos seria eterno em tua vida.
Morte e vida severina - João Cabral De Melo Neto
- O meu nome é Severino,
como não tenho outro de pia.
Como há muito Severinos,
que é santo de romaria,
deram então de me chamar
Severino de Maria;
como há muitos Severinos
com mães chamadas Maria,
fiquei sendo o da Maria
do finado Zacarias.
Mas isso ainda diz pouco:
há muitos na freguesia,
por causa de um coronel
que se chamou Zacarias
e que foi o mais antigo
senhor desta sesmaria.
Como então dizer quem fala
ora a Vossas Senhorias?
Vejamos: é o Severino
da Maria do Zacarias,
lá da terra de costela,
limites da Paraíba.
Mas isso ainda diz pouco:
Se ao menos mais cinco havia
com nome de Severino
filhos de tantas Marias
mulheres de outros tantos,
já finados, Zacarias,
vivendo na mesma serra
magra e ossuda em que eu vivia.
Somos mitos Severinos
iguais em tudo na vida:
na mesma cabeça grande
que a custo é que se equilibra,
no mesmo ventre crescido
sobre as mesmas pernas finas,
e iguais também poque o sangue
que usamos tem pouca tinta.
E se somos Severinos
iguais em tudo na vida,
morremos de morte igual,
mesma morte severina:
que é a morte de que se morre
de velhice antes dos trinta,
de emboscada antes dos vinte,
de fome um pouco por dia
(de fraqueza e de doença
é que a morte Severina
ataca em qualquer idade,
e até gente não nascida).
Somos muitos Severinos
iguais em tudo e na sina:
a de abrandar estas pedras
suando-se muito em cima,
a de tentar despertar
terra sempre mais extinta,
a de querer arrancar
algum roçado da cinza.
Amanhecer - João Guimarães Rosa
Floresce, na orilha da campina,
Das mil corolas,
Saem vespas, abelhas e besouros,
polvilhados de ouro,
a enxamear no leste, onde vão pousando
nas piritas que piscam nas ladeiras,
e no riso das acácias amarelas.
Dos charcos frios
sobem a caçá-los redes longas,
lentas e rasgadas de neblina.
Nuvens deslizam, despetaladas,
e altas, altas,
Garças brancas planam.
Dançam fadas alvas,
cantam almas aladas,
na taça ampla,
na prata lavada,
na jarra clara da manhã...
Amor em paz - Vinicius de Moraes
Eu amei
Eu amei, ai de mim, muito mais
Do que devia amar
E chorei
Ao sentir que iria sofrer
E me desesperar
Foi então
Que da minha infinita tristeza
Aconteceu você
Encontrei em você a razão de viver
E de amar em paz
E não sofrer mais
Nunca mais
Por que o amor é a coisa mais triste
Quando se desfaz
Canção final - Carlos Drummond de Andrade
Oh! Se te amei, e quanto!
Mas não foi tanto assim.
Até os deuses claudicam
Em nugas de aritmética.
Meço o passado com a régua
De exagerar as distâncias.
Tudo tão triste, e o mais triste
É não ter tristeza alguma.
É não venerar os códigos
De acasalar e sofrer.
É viver tempo de sobra
Sem que me sobre miragem.
Agora vou-me. Ou me vão?
Ou é vão ir ou não ir?
Oh! Se te amei, e quanto,
Quer dizer, nem tanto assim.
Soneto de contrição - Vinicius de Moraes
Eu te amo, Maria, eu te amo tanto
Que o meu peito me dói como em doença
E quanto mais me seja a dor intensa
Mais cresce na minha alma teu encanto.
Como a criança que vagueia o canto
Ante o mistério da amplidão suspensa
Meu coração é um vago de acalanto
Berçando versos de saudade imensa.
Não é maior o coração que a alma
Nem melhor a presença que a saudade
Só te amar é divino, e sentir calma...
E é uma calma tão feita de humildade
Que tão mais te soubesse pertencida
Menos seria eterno em tua vida.
Morte e vida severina - João Cabral De Melo Neto
- O meu nome é Severino,
como não tenho outro de pia.
Como há muito Severinos,
que é santo de romaria,
deram então de me chamar
Severino de Maria;
como há muitos Severinos
com mães chamadas Maria,
fiquei sendo o da Maria
do finado Zacarias.
Mas isso ainda diz pouco:
há muitos na freguesia,
por causa de um coronel
que se chamou Zacarias
e que foi o mais antigo
senhor desta sesmaria.
Como então dizer quem fala
ora a Vossas Senhorias?
Vejamos: é o Severino
da Maria do Zacarias,
lá da terra de costela,
limites da Paraíba.
Mas isso ainda diz pouco:
Se ao menos mais cinco havia
com nome de Severino
filhos de tantas Marias
mulheres de outros tantos,
já finados, Zacarias,
vivendo na mesma serra
magra e ossuda em que eu vivia.
Somos mitos Severinos
iguais em tudo na vida:
na mesma cabeça grande
que a custo é que se equilibra,
no mesmo ventre crescido
sobre as mesmas pernas finas,
e iguais também poque o sangue
que usamos tem pouca tinta.
E se somos Severinos
iguais em tudo na vida,
morremos de morte igual,
mesma morte severina:
que é a morte de que se morre
de velhice antes dos trinta,
de emboscada antes dos vinte,
de fome um pouco por dia
(de fraqueza e de doença
é que a morte Severina
ataca em qualquer idade,
e até gente não nascida).
Somos muitos Severinos
iguais em tudo e na sina:
a de abrandar estas pedras
suando-se muito em cima,
a de tentar despertar
terra sempre mais extinta,
a de querer arrancar
algum roçado da cinza.
Amor e paz - Vinicius de Moraes
Eu amei
Eu amei, ai de mim, muito mais
Do que devia amar
E chorei
Ao sentir que iria sofrer
E me desesperar
Foi então
Que da minha infinita tristeza
Aconteceu você
Encontrei em você a razão de viver
E de amar em paz
E não sofrer mais
Nunca mais
Por que o amor é a coisa mais triste
Quando se desfaz
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